LABIRINTO DE MENTIRAS




Gênero: Drama
Direção: Giulio Ricciarelli
Roteiro: Elisabeth Bartel, Giulio Ricciarelli
Elenco: Alexander Fehling, André Szymanski, Friederike Becht, Gert Voss, Hansi Jochmann, Johannes Krisch, Johann von Bülow, Mathis Reinhardt, Robert Hunger-Bühler, Tim Williams.
Produção: Jakob Claussen, Ulrike Putz
Fotografia: Martin Langer, Roman Osin
Montador: Andrea Mertens
Trilha Sonora: Niki Reiser, Sebastian Pille
Duração: 124 min.
Ano: 2014
País: Alemanha
Cor: Colorido
Estreia: 17/12/2015 (Brasil)
Distribuidora: Mares Filmes
Estúdio: Claussen Wöbke Putz Filmproduktion / Naked Eye Filmproduktion
Classificação: 14 anos

Sinopse: em 1958, jovem promotor alemão inicia investigação sobre os crimes cometidos na época do nazismo, mesmo contra toda a resistência das instituições e da própria sociedade alemã.




Nota do Razão de Aspecto:



É recorrente em diversas mitologias a figura de um indivíduo que consegue roubar o segredo dos deuses, e, com ele, leva o conhecimento à raça humana. Em geral, para conseguir esse intento, esses indivíduos ludibriam os deuses, e por isso costumam ser enquadrados como mitos-trapaceiros. O mais conhecido desses mitos é o de Prometeu, que enganou Zeus e roubou o fogo dos deuses. Na mitologia dos Achânti, de Gana, a figura de Anansi, o deus-aranha, é bastante similar. Sem falar em Adão e Eva, que, ao comerem da maçã, tomaram contato com o conhecimento antes proibido.

É assim que o promotor Johann Radmann (personagem fictício interpretado por Alexander Fehling, de "Young Goethe in love, e mais conhecido pelos fãs da série Homeland como o Jonas Hollander, da última temporada) envereda pelos labirintos de arquivos, versões e contraversões dos crimes cometidos no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial.

Apresentado como um jovem idealista e apegado aos valores da lei e da justiça - e é impossível não imaginar (não pela aparência, mas pelo tipo de personagem) um Tom Hanks jovem fazendo o mesmo papel, caso o filme fosse norte-americano -, Radmann decide aceitar a investigação do caso de um professor identificado como ex-nazista, pelo qual nenhum colega promotor se interessa. A partir desse primeiro passo, sua investigação o levará a descobrir o que a própria Alemanha parecia querer ver silenciado: os crimes cometidos, em larga escala e por um grande número de cidadãos, ao longo do regime nazista, em especial em Auschwitz.

A Alemanha da época vivia uma época de restauração econômica e de certo otimismo. Havia confiança na figura do Chanceler Konrad Adenauer, e parecia melhor para todos que o passado ficasse enterrado. As barbaridades ocorridas nos campos de concentração eram tidas como boatos, advindo da propaganda mentirosa dos vencedores. Mas o nazismo e os nazistas não haviam evaporado com a morte de Hitler ou com o julgamento de Nuremberg: boa parte da burocracia governamental - para não dizer de pais, amigos, e vizinhos - haviam feito parte do Partido na guerra, e muitos deles, por atos ou omissões, haviam sido cúmplices das atrocidades cometidas.

Para encontrar o caminho nesse labirinto - nem tanto de mentiras, mas de silêncios - Radmann conta com o apoio político do Procurador-Geral Fritz Bauer (Gest Woss)  e do jornalista Thomas Gnielka  (André Szymanski) - estes sim, figuras históricas que tiveram papel fundamental na abertura dos processos que levaram ao julgamento dos crimes de Auschwitz. Em paralelo, o filme traz o envolvimento amoroso de Radmann e Marlene (Friederike Becht), que poderá ser estremecido pela obsessão do promotor pela investigação, e pelo que ele poderá vir a descobrir.

Completam o núcleo principal o pintor Simon Kirsch (sobrevivente de Auschwitz), o Promotor-Chefe Otto Haller (que é contrário a remexer em um passado doloroso) e Schmittchen (Hansi Jochmann, secretária de Radmann) e o Major Parker (Tim Williams), da Embaixada dos Estados Unidos em Berlim, detentora dos (labirintos de) arquivos da época da Guerra.



Fehling é carismático e conduz bem o filme como protagonista (não seria supresa vê-lo em Hollywood em breve), embora a maquiagem que expõe o cansaço e a decadência física do personagem ao longo do filme seja mais interessante do que a atuação em si. As atuações em geral estão bem, mas o destaque vai para Hansi Jochmann, que, com poucas falas no filme, é capaz de transmitir apoio a e carinho por Radmann, repreensão a ele quando necessário e imenso choque e tristeza ao descobrir a tragédia de Auschwitz.

Escrito e dirigido por Giulio Ricciarelli, cineasta nascido na Itália mas com formação e carreira cinematográfica desenvolvidas na Alemanha, Im Labyrinth des Schweigens contou com a colaboração de Elisabeth Bartel e Amelie Syberberg no roteiro. Produzido em 2014 e lançado no ano seguinte, que marcou os 70 anos de liberação do campo de concentração de Auschwitz, foi o candidato escolhido pela Alemanha para concorrer ao Oscar de filme em língua estrangeira, e aparece, entre os analistas, como um os três favoritos à estatueta (ainda que a lista final de indicados não tenha sido divulgada).  

Assim como As Sufragistas (cuja crítica do Razão de Aspecto você pode ler aqui), Labirinto de Mentiras é um filme cujo tema é mais importante e relevante do que a sua realização. Se hoje as informações sobre o Holocausto já fazem parte do conhecimento público (ainda que haja aqui e ali uns malucos que o neguem), e se já tivemos a chance de ver obras mais ricas do ponto de vista cinematográfico sobre o tema do nazismo (e cito a Lista de Schindler só para ficar no óbvio), é porque houve o esforço investigativo de uma minoria alemã contra o pacto tácito de silêncio que vigorou no pós-Guerra.

Nesse sentido, o filme serve como apresentação de uma faceta da história alemã que possivelmente é pouco conhecida fora do país. Como obra cinematográfica, é um filme bem produzido, correto - com boa fotografia, edição, etc - mas sem maiores inovações ou atrativos especiais. A linguagem é bem próxima da dos filmes estadunidenses, e o roteiro se perde um pouco nas idas e vindas da investigação sobre Josef Mengele (médico nazista que ficou conhecido como o Anjo da Morte por causa de seus experimentos com seres humanos em Auschwitz). No terço final, o filme volta a derrapar, primeiro em uma cena frustrante no famoso campo de concentração, e também pela obrigação de fechar o desnecessário arco amoroso que ele mesmo criou, e que ocupa tempo de tela que poderia ter sido usado com foco na História.

Não é segredo para quem acompanha cinema que Hollywood - até pela origem de suas engrenagens e de sua elite decisória - é especialmente sensível aos temas que envolvem o Holocausto - e por isso mesmo o filme torna-se favorito a concorrer ao Oscar. Mas o filme é apenas bom, sem maiores genialidades.

Para nós brasileiros, talvez fique o recado de que não se deve temer encarar de frente para nossa história de absurdos, ainda cheia de silêncios - e nem de longe aqui restrinjo o comentário aos tempos do Regime Militar. Há muitos labirintos ainda a serem explorados, e muitos fogos dos deuses a serem descobertos.



PS: Ainda sobre o Brasil, foi assustador perceber que a plateia do cinema se surpreendeu ao ver, nos letreiros finais do filme, que Josef Mengele viveu e morreu sossegado no Brasil

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