LA LA LAND: CANTANDO ESTAÇÕES (2016) - CRÍTICA


Uma deliciosa homenagem ao jazz, a Los Angeles e aos musicais clássicos de Hollywood.


Gênero: Romance
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Emma Stone, Ryan Gosling, John Legend, Rosemarie DeWitt, J.K.Simmons
Fotografia: Linus Sandgren
Montador: Tom Cross
Trilha Sonora: Justin Hurwitz
Ano: 2016
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 19/01/2017 (Brasil)
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: Black Label Media / Gilbert Films / Impostor Pictures / Marc Platt Productions


Nota do Razão de Aspecto:
-----------------------------------------
Após ganhar todas as categorias (sete) para as quais estava indicado, e se tornar o maior vencedor de todos os tempos do Globo de Ouro, La La Land elevou as expectativas de público e de crítica. Esse nível de hype costuma resultar em algum nível de decepção. Felizmente, este não é o caso.

Desde a primeira cena – um número musical filmado em longuíssimo plano sequência, com dezenas de extras, em uma rodovia de acesso a Los Angeles, o diretor Damian Chazelle (o mesmo do excelente Whiplash: em busca da perfeição) mostra seu domínio absoluto da técnica e da linguagem que deseja utilizar. Mais do que isso, ele escapa da tentação de simplesmente reaproveitar a linguagem dos musicais clássicos de Hollywood e entregar uma obra anacrônica. Sim, La la Land se embebeda completamente dessas referências, mas apenas quando e como quer, sem resultar em um pastiche.


O enredo do filme não tem nada de inovador: Mia, uma aspirante a atriz, vive seu cotidiano entre fracassos nas audições das quais participa e o trabalho em um café dentro do estúdio da Warner. Sebastian é um pianista apaixonado por jazz, romântico de um tempo em que a palavra "não parecia uma ofensa", e que sonha em abrir seu próprio clube para abrigar o ritmo que tanto ama. Os dois se conhecerão, viverão encontros e desencontros, e eis a história.

O que vale aqui – como em todo bom cinema – é COMO a história é contada. Em primeiro lugar, a parte visual é irretocável. Poucas vezes se viu uma coordenação (orquestração, talvez?) tão perfeita entre fotografia (Linus Sandgren), design de produção (David Wasco), direção de arte (Austin Gorg), cenografia (Sandy Reynolds-Wasco) e figurino (Mary Zophres). Junto a Chazelle, a equipe constrói um visual de cores chapadas e estudadas, que remete aos musicais antigos ao mesmo tempo em que dá ao filme um ar de fantasia, de irrealidade proposital. Não é a Los Angeles real, é a Los Angeles dos musicais, de um Estados Unidos ingênuo (no bom sentido da palavra), que não existe mais.

Ao longo de suas pouco mais de duas horas, não há uma cena em La la Land que não transmita esse esmero visual. São detalhes que vão desde a mesma tonalidade do terno de Sebastian e do vestido de Mia em uma determinada cena em que se reencontram, passando pelo contraste entre o ambiente fechado e escuro dos clubes de jazz e a explosão de luzes em um show do qual o pianista participa. Aliás, a iluminação do filme é um capítulo à parte: Chazelle abusa de spots direcionados a protagonistas, alterando e retornando a determinado esquema de luz sem inserir cortes.


As cores dos objetos cênicos dialogam com os figurinos, jamais repetidos pela protagonista. E até aí há espaço para homenagem à Hollywood clássica – basta ver que a jaqueta usada por Mia em uma das audições remete à icônica peça usada por James Dean em Juventude Transviada - filme que, aliás, tem um papel importante em determinado ponto do roteiro. Ou outro exemplo sobre a atenção aos figurinos é a alteração no visual de Sebastian quando ele se aproxima e se afasta de seus ideais musicais: dos sapatos bicolores e suspensórios típicos de um jazzista para um visual berrante (ou mais neutro e padronizado), dependendo da banda em que toca apenas por dinheiro.


Paradoxalmente, La la Land, filme musical centrado em um casal, tem Emma Stone e Ryan Gosling como protagonistas. Ela é afinada, mas tem um fiapo de voz, e ele não afina com perfeição qualquer nota o filme inteiro. Fica claro que ambos treinaram muito as coreografias do filme, e as executam com perfeição – mas nenhum transmite a leveza ou a naturalidade de movimentos dos musicais passados que querem evocar. Em uma cena de sapateado, quase é possível ouvir uma lágrima agridoce de Gene Kelly em seu túmulo.


E o paradoxo vem exatamente do fato de que, mesmo com toda essa limitação dos protagonistas como cantores e dançarinos, o casal funciona espetacularmente bem, mesmo nas cenas musicais. É um filme com dois (quatro?) pés de barro – mas esses pés correm, voam e bailam, sem se partirem. Além disso, para além das canções, Stone e Gosling conseguem imprimir química e carisma ao casal. Diametralmente opostos em termos de traços faciais e expressões (ela muito expressiva, com olhos gigantescos e grandes sorrisos, e ele com olhos miúdos, meio caídos, e mais contido), os dois conquistam o público, e compensam qualquer sustenido ou bemol mal dado.

E, fundamentalmente, um musical não sobrevive sem boas músicas. Para isso, Chazelle contou com Justin Hurwitz, seu parceiro também em Whiplash. Hurwitz compôs uma trilha fundamentalmente calcada em jazz, com alguns flertes (claro!) com musicais clássicos e pelo menos uma faixa ("Audition") que lembra os musicais mais contemporâneos. Ainda sobre a parte musical, louve-se o esforço de Gosling – que não sabia tocar piano antes das gravações – em ter treinado intensivamente para não precisar de dublês nas inúmeras cenas em que toca. Suas mãos ainda parecem pesadas para quem teria tocado piano há anos, mas as performances são de cair o queixo.


Outro parceiro de Chazelle, o montador Tom Cross (que conseguiu casar montagem cinematográfica e jazz em Whiplash) dá novamente um show em La la land. Muito mais do que nos musicais clássicos, com as tecnologias atuais é possível fazer a câmera dançar, participar da cena, e dela se retirar discretamente. Apenas com uma montagem de altíssima competência essa sensação pode ser transmitida.

Prestes a completar apenas 32 anos, Damian Chazelle propôs-se um desafio exponencialmente maior do que o de seu excelente filme anterior, e obteve sucesso com méritos. Não é surpreendente que Hollywood tenha se encantado tão intensamente pelo filme. Trata-se de uma ode ao jazz, uma ode à Los Angeles (e quem por acaso conhecer bem a cidade terá alguns prazeres extras), e ao cinema clássico da cidade.

Ninguém mais gosta de musicais, de jazz ou de sapatos bicolores. Que bom que Damian Chazelle sim. Se você acha (ou tem certeza) de que a única maneira ainda de imaginar a sua vida é vê-la como um musical dos anos 1930, este filme será seu palco ideal.

D.G.Ducci

PS: Nosso Maurício Costa também falou sobre o filme, neste live aqui.


6 comentários:

  1. So discordo do fim do texto pq muitos hipsters tao ai ora te desmentir! Hahaja

    ResponderExcluir
  2. "La La Land" é uma festa, e nós precisamos urgentemente de festa. A realidade nua e crua é uma invenção de intelectuais de café parisiense, enquanto a vida de verdade acontecia em Montmartre. Queremos nos apaixonar, flutuar e sofrer de amor. Todas as fibras do nosso corpo querem dançar e sapatear. Queremos Moulin Rouge, não Sorbonne. "La La Land" é um tributo a um cinema que insiste em não morrer, como o jazz que ele retrata. Um cinema que nos transporta a um mundo de sonho e fantasia e nos trás de volta mais ricos e com lágrimas nos olhos. Isso não é alienação. A alienação mais cruel acontece em uma linha de montagem e está relacionada à produção, não ao sonho. O contrário de sonhar é morrer, e "La La Land" nos devolve à vida. Manuelzão queria dar uma festa, e, nessa festa, encontrou o sentido da sua vida. Eu quero entrar na festa, na ciranda, na quadrilha. Quero que o encanto dos musicais, subitamente, subtraia o mal do mundo. Eu costumava sair do Palace Theater ou do Eugene O'Neill assoviando, cantarolando e morto de vontade de sapatear. Acho que até sapateei pela 7th Avenue uma vez... Hoje, inesperadamente, "La La Land" me trouxe isso de novo. Uma vontade enorme de viver. A Paris de "La La Land" talvez seja um quadro impressionista; sua Los Angeles, um estúdio; mas o filme pulsa com a vida mais real e intensa, pulsa com paixão. Paixão pela música, pela dança, pelo romance, pelo drama. Tá-tá-tatá-ta-ta-tá. Ops, acho que estou ouvindo jazz no teclado do computador...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado pelo comentário, Maurício. De fato, o filme deixa a gente, de certa forma, mais leve. Mas acho inclusive que o filme passe uma mensagem de nos rendermos apenas ao sonho (basta pensar na decisão de roteiro sobre o destino dos personagens), mas ao menos que saibamos fazê-lo - coisa que este mundo cínico e cinza dificulta. Chazelle é claramente um apaixonado pelo que faz, e isso transparece na sua (curta, mas excelente) filmografia.

      Grande abraço e continue com a gente !

      Excluir
  3. Captou bem a atmosfera do filme. Entrará na minha lista de favoritos. Infelizmente acredito que não fará sucesso junto ao público brasileiro. La la Land fala aos sonhadores, aos saudosos de uma época mais harmoniosa, aos amantes da noite, de Paris, da Arte. No Brasil de hoje não são muitos que se encaixam nesta descrição.
    Será sucesso de bilheteria, sem dúvida!

    ResponderExcluir
  4. Brother, por que nao comentou sobre aquele final? Hehe. Naquele momento, ficou evidente o quão bom era o roteiro do filme! E aquele plano sequência da primeira cena foi sensacional.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É que a crítica é sem spoiler, então fica complicado falar sobre a cena derradeira. Mas sim, ele torna o filme mais redondo (tanto que está indicado ao Oscar de melhor Roteiro).
      A cena inicial é inacreditável... Eu preferi A Chegada, mas por essas e outras que acho merecido o prêmio Direção vir para cá

      Excluir

Tecnologia do Blogger.