GAME OF THRONES - SEXTA TEMPORADA - EPISÓDIO 10: WINDS OF WINTER - SEASON FINALE! (COM SPOILERS!)




ALERTAEsta crítica contém spoilers. Proceda à leitura por própria conta e risco.

Confira a ficha técnica do episódio aqui


Nota do Razão de Aspecto:


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O cinema sempre foi referência para a TV. Seja por ser uma indústria mais antiga e mais desenvolvida, seja pelos orçamentos mais robustos, seja pela menor amplitude de público do cinema, durante muitas décadas, as produções cinematográficas foram sinônimo de qualidade, enquanto as televisivas foram consideradas de qualidade questionável, quando muito, de qualidade razoável. Então, nos final dos anos 1990, a HBO lançou The Sopranos e começou a mudar a história da televisão mundial. Nos quase vinte anos seguintes, o nível das produções para TV subiria muito, alcançando seu ápice, até então, no episódio Ozymandias, de Breaking Bad - neste caso, uma produção da AMC. Então, a partir de 2011, veio Game of Thrones e, em 2016, a sua sexta temporada, que marca uma virada na história do audiovisual: pela primeira vez, uma produção televisiva tornou-se, definitivamente, referência primária para a narrativa cinematográfica. A HBO mudou a história da TV e do cinema.

O  season finale começa com uma sequência inesquecível, que ecoa, ao mesmo tempo em que ressignifica, a sequência final de O Poderoso Chefão, apoiada por uma trilha sonora inesquecível, por uma direção de arte e um figurino de dar inveja às superproduções hollywoodianas e construída pela direção impecável de Miguel Sapochnik - quem dirigiu, também, a Batalha dos Bastardos. Nos mais de vinte minutos dessa sequência, somos conduzidos pelo drama, pelo suspense e pelo terror com uma transição sutil e eficiente, embora o desfecho fosse previsível. Felizmente, uma boa história não se faz somente de surpresas e de viradas na narrativa: mais importante do que os acontecimentos são os processos dos quais resultam e, principalmente, como nos são narrados. 


A sequência da explosão do tempo de Baelor pode ser dividida em três etapas, e linguagens, distintas: primeiro, a preparação dos protagonistas do julgamento de Loras e Cersei, que ecoa O Poderoso Chefão; segundo, a sequência da morte do Mestre Pyrcele, que se constituiu em uma sequência memorável do filme de terror; por fim, a sequência que leva à explosão do Templo, cuja tentativa de Lancel de impedi-la resultou em uma cena que poderia ter sido filmada por Alfred Hitchcock. O detalhe da "bomba relógio medieval" foi irônico e sagaz, e ajudou a construir o suspense insuportável sobre um resultado que já prevíamos.



Para além das questões de linguagem, o núcleo de King's Landing mudou completamente de direção. A eliminação dos Tyrell, exceto Lady Olenna, a aniquilação da fé militante e de grande parte da corte, a morte de Kevan Lannister e o suicídio de Tommen levaram Cersei ao Trono de Ferro. Trata-se de um recurso narrativo inteligente e eficaz, porque, ao mesmo tempo, nos mostrou como a arrogância do Alto Pardal o levou à desgraça, por subestimar sua adversária, e, ao mesmo tempo, eliminou a simpatia que havíamos criado, involuntariamente, pelos Lannister contra a Fé Militante. A chegada de Cersei ao Trono de Ferro recoloca as coisas em seus devidos lugares: a partir de agora, os Lannister voltam a ser os inimigos poderosos dos personagens mais populares da série, Jon Snow e Daenerys. Apenas posso lamentar a morte da personagem de Natalie Dormer, embora tenha sentido narrativo.


Na próxima temporada, Cersei estará "cercada" pelos Stark, ao norte, e, possivelmente, já em King's Landing, com a chegada da Nascida da Tormenta, seu imenso exército e seus dragões. Tudo parece indicar uma batalha de fácil solução, mas creio que não será assim. Se Euron Greyjoy pretendia propor casamento à Daenerys em troca da aliança e de sua frota, o acordo de Khaleesi com Yara não deve tirá-lo do jogo. Ao não ter possibilidades de realizar a aliança pretendida, qual seria o caminho mais lógico?  Uma aliança com os Lannister, é claro. Euron deverá oferecer seu "big fat cock" a Cersei.



Além disso, teremos os desdobramentos da clara insatisfação de Jamie com a coroação da irmã e amante. Cabe um registro à ironia de que o filho caçula do casal incestuoso se tenha suicidado em uma cena que rima visualmente com a queda de Bran, ainda no primeiro episódio da série. O suicídio de Tommen, cujo silêncio foi tão intenso quanto a trilha sonora até então onipresente, com a saída do quadro e o salto sem hesitação foi de uma verossimilhança perturbadora. A morte de Tommen nos mostra que, em Westeros, o senso de justiça e a boa fé não são as melhores qualidades para um rei.

Acredito que a Septa Unella já começará a próxima temporada morta, após as contínuas torturas promovidas pelo Montanha Zumbi. Nesta cena, temos uma representação daquilo que GoT faz da forma mais competente: mostrar o pior de nós mesmos como seres humanos. Quem não teve algum grau de satisfação ao ver Cersei se vingando de Unella? Nosso senso de moralidade perde-se quando falamos de vingança, e nossa empatia parece ser mais forte com os criminosos do que com os puristas. 


No Norte, a proposta de casamento de Mindinho a Sansa, a coroação de Jon Snow como Rei do Norte e as revelações da Torre da Alegria deram novos rumos para a narrativa. Agora, sabemos que o bastardo é um Stark, mas também é um Targaryen. Para muito além disso, ele é o verdadeiro herdeiro do Trono de Ferro, à frente de Daenerys na linha de sucessão. A confirmação da famosa teoria, que sempre defendi, do R+L=J tem relação com a profecia de Azor Ahai e as três pontas: uma delas seria Daenerys, a segunda seria Jon, e a terceira está em aberto. Quem será o terceiro Targaryen? Muitos fãs apostam em Tyrion, mas eu ainda não vejo indicações narrativas suficientes para afirmar.


A unção de Jon como Rei do Norte rendeu, novamente, uma cena espetacular com a jovem Lyanna Mormont. quem demonstrou uma força de caráter e uma clareza de valores para muito além do que é esperado de uma jovem Lady (e mesmo de uma atriz) de dez anos de idade. A transição do parto de Lyanna Stark, no Torre da Alegria, para o rosto de Jon e, posteriormente, para a jovem Lyanna, cujo nome homenageia a mãe do Lobo Branco, proclamando-o Rei do Norte constitui uma rima visual sutil e inteligente, como o tipo de detalhe que faz a diferença entre uma obra boa, mas comum, e uma obra memorável.

A revelação de que Mindinho deseja do Trono de Ferro surpreendeu-me. Nunca imaginei, talvez por ingenuidade, talvez por limitação intelectual, que Lorde Baelish desejasse realmente governar Westeros, considerando o destino dos seus reis. Por outro lado, a rejeição de Sansa demonstra a total maturidade da personagem. A troca de olhares durante a coroação de Jon levanta muitas perguntas para a próxima temporada, mas a principal é: será que Mindinho conseguirá semear a discórdia entre os irmã..., digo primos Stark?

Nas Terras Fluviais, tivemos aquele foi, talvez, um dos maiores momentos de catarse das seis temporadas de GoT: a vingança de Arya e a sua torta de Frey. Apesar da péssima resolução do núcleo de Braavos, a chegada de Arya às Terras Fluviais deu sentido ao seu treinamento. Todas as sequências repetitivas entediantes ganhar amrelevância quando, mais uma vez, tivemos prazer em presenciar Walder Frey agonizando, e o sangue jorrando do seu pescoço. A vingança do casamento vermelho está quase completa.


Sem a aparição de Lady Stone Heart nesta temporada, o papel da Irmandade Sem Bandeiras na próxima temporada continua incerto. Narrativamente falando, temos uma série de personagens convergindo: a Irmandade, com o Cão de Caça, Arya, Brienne e Podrick estão nas terras fluviais, e Melisandre se encaminha para sul. Possivelmente, teremos um encontro de todos esses personagens em algum ponto do caminho, incluindo um possível reencontro de Arya com o Cão. Também é possível cogitar que, em vez de Lady Stone Heart, Arya assuma o papel da assassina de Freys e se junte à Irmandade. Este seria um núcleo muito interessante.

Para além da Muralha, Bran assumiu definitivamente a função do Corvo de Três Olhos, alertado por mãos frias sobre a magia que ajuda a muralha a manter os mortos vivos longe de Westeros. Considerando o toque do Rei da Noite, não acredito que Bran vá atravessá-la e causar o caos. Por outro lado, mantenho a convicção de que Bran intervirá na linha do tempo e causará muitos estragos. Além disso, apenas ele conhece a verdadeira identidade de Jon Snow.

Em Meereen, a Rompedora de Correntes nomeou Tyrion como Mão da Rainha antes de partir com sua imensa frota, os imensos exércitos e seus dragões para Westeros. A grandiosidade da partida de da Filha da Tormenta, com seus aliados Dorne e dos Jardins de Cima, dá a exata dimensão daquilo que Cersei enfrentará em King's Landing (a cena de Lady Olenna  as Martell também rendeu uma das cenas mais bem humoradas da temporada). Para além do confronto entre as duas rainhas e da possível confirmação da profecia da infância de Cersei - que, até agora, se confirmou com a morte de todos os seus filhos -, não podemos esquecer que esse confronto significará, também, o reencontro dos irmãos Lannister. Tyrion está a caminho da vingança de sua irmã, e este será, sem dúvida, um dos melhores confrontos da próxima temporada. O reencontro de Tyrion e Jamie, quem jurou matar o irmão parricida se o reencontrasse, também deverá nos reservar uma boa dose de adrenalina. Além disso, não podemos esquecer que nada é incidental em GoT. Daenerys dispensar Dario Naharis com a justificativa um possível casamento em Westeros para formar alianças não conta a história completa. Ainda acredito em um envolvimento entre Daenerys e Yara. 





Por fim, cabe uma pequena reflexão sobre a linha do tempo de GoT. No momento em que escrevo esta crítica, os roteiristas de produtores da série já confirmaram aquilo que uma análise de bom senso parecia indicar: a linha cronológica dos núcleos não é exatamente a mesma, e as passagens de distância e de tempo não indicam simultaneidade. Do ponto de vista narrativo, acredito que, em alguns momentos, a cronologia tenha ficado confusa, principalmente no início da temporada. Nos últimos episódios, já era possível perceber que os fatos não ocorriam simultaneamente, ou não fariam nenhum sentido. Acho que a série fez a escolha correta, ao apostar no entendimento do público mais sofisticado em vez de adotar recursos excessivamente didáticos, tais como legendas do tipo "três semanas depois" ou "enquanto isso, na sala de justiça (tundunts!)". A cronologia correta está presente em detalhes sutis, como os símbolos das casas na frota de Daenerys, que já indicavam a presença dos Martell e dos Tyrell. 

A sexta temporada de Game of Thrones oscilou na qualidade dos episódios, mas, se analisada em sua totalidade, formou um arco narrativo complexo, estabeleceu importantes pontos de virada na trama, eliminou personagens importantes e constituiu uma história consistente, contando com dois dos melhores episódios da história da televisão.  Tanto em termos da linguagem narrativa quanto da audiovisual, GoT merece a mesma cara de espanto de Sam, ao entrar na Biblioteca de Vila Velha. A maior série de todos os tempos.




PS: aposto que acharam que tinha esquecido de Sam!


Por Maurício Costa.





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