SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS






Gênero: Suspense
Direção: Thomas McCarthy
Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy
Elenco: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber, Stanley Tucci, Billy Crudup, John Slattery, Brian d'Arcy James, Jamey Sheridan, Neal Huff, Len Cariou
Produção: Blye Pagon Faust, Michael Sugar, Nicole Rocklin, Steve Golin
Fotografia: Masanobu Takayanagi
Montador: Tom McArdle
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 128 min.
Ano: 2015
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 07/01/2016 (Brasil)
Distribuidora: Sony Pictures
Estúdio: Anonymous Content / Participant Media / Rocklin / Faust
Classificação: 12 anos




Nota do Razão de Aspecto:



Ao contrário do que pensa meu parceiro de blog, eu sou um crítico bonzinho. Quando vou assistir a um filme, ele já começa com nota máxima, até para valorizar a quantidade de trabalho que produtores e diretores têm, mesmo para fazer uma porcaria. À medida que o filme avança, e eu consigo identificar fraquezas, incoerências internas, mediocridades – enfim, escolhas ruins – as estrelinhas da nota vão sendo corroídas.

Spotlight é daqueles filmes em que, por mais que eu tenha tentado, não consegui corroer suas estrelas. Baseado em um caso real – a investigação, em 2001, por parte de uma equipe de repórteres investigativos do The Boston Globe, que revelou uma série de casos de abuso sexual de crianças por padres da Igreja Católica – o filme reúne bom roteiro, performances competentes de seus atores, fotografia bem pensada e uma trilha sonora linda.

O filme foi dirigido por Tom McCarthy (de Ganhar ou Ganhar, O Guarda da Estação e O visitante), que também o escreveu, em parceria com Josh Singer – que escreveu episódios da excelente série West Wing e da série Fringe, além de ter roteirizado o bom O quarto poder, sobre o caso dos "wikileaks". Assim como As Sufragistas (cuja crítica pode ser lida aqui), Spotlight traz um tema socialmente relevante. A diferença é que, enquanto no caso do voto feminino já houve algum progresso ao longo do último século, os bastidores de grandes instituições – como a Igreja Católica, neste exemplo concreto – permanecem ainda protegidos por diversos véus – o principal deles, a vontade da maioria da sociedade de ignorar os absurdos cometidos, amparados pela suposta interlocução com o divino.

Se em O quarto poder a tecnologia foi usada para revelar o que se queria revelado, aqui é o esforço (físico, inclusive) de um pequeno grupo de jornalistas que possibilita ao mundo conhecer seus próprios podres. Liderada por Walter Robinson (Michael Keaton), e composta por Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James), a equipe é instruída por Marty Baron (Liev Schreiber), novo editor geral do jornal, a reabrir investigações sobre o caso de um padre acusado de abuso sexual de menores. A partir dessa premissa, o filme acompanha o dia a dia dos envolvidos na investigação. Completam o núcleo principal Ben Bradlee Jr. (John Slattery, de Mad Man) como outro editor do jornal, Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), como um advogado que defende vítimas desses casos, e Eric Macleish (Billy Crudup), também advogado, especializado em mediar acordos entre vítimas e a Igreja, de forma que não apareçam escândalos ligados à instituição.

E esse superelenco está muito bem. A atuação de Keaton não chega a ter o impacto daquela em Birdman (crítica aqui) – e nem seu personagem pedia isso -, mas é segura e competente (fora uma ceninha em uma solenidade, em que ele deixa escapar os cacoetes-Keaton de pescoço); Ruffalo interpreta seu Rezendes com a intensidade de um jornalista que realmente se importa e se envolve com o que está investigando – embora passe um pouco do ponto e fique caricatural em algumas cenas; a personagem de McAdams mistura sensibilidade, profissionalismo e inteligência, sendo um bom exemplo de como não é necessário sensualizar toda protagonista feminina. James, Tucci, Slattery e Crudup estão todos ótimos, mas para mim o destaque é Schreiber. Para quem já o viu interpretar personagens mais físicos (como o Dente de Sabre em Wolverine) ou de personalidade marcante, como o Ray Donovan da série homônima, é uma gratíssima surpresa vê-lo contido, quase tímido e anti-social, com um fala lenta e pausada, que esconde uma grande determinação em ver a investigação prosseguir.

O roteiro ajuda os atores a construírem personagens multifacetados. É um mérito dos escritores percebermos que, em vários momentos do filme, não temos muita certeza sobre a existência de algum traidor entre o grupo de jornalistas, ou se este ou aquele personagem está mais dedicado a atrapalhar ou ajudar a investigação. O clima de tensão potencial é bem trabalhado, embora não alcance a excelência de Todos os homens do Presidente, fonte da qual bebe em fartas doses.

Outro personagem importante do filme é a própria cidade de Boston. A existência de várias igrejas imponentes na cidade, fruto da grande parcela irlandesa da população (não esqueçamos que é lá a sede do Boston Celtics), oferece ao diretor de fotografia Masanobu Takayanagi (de O lado bom da vida e de Aliança do crime) a possibilidade de explorar a geografia e arquitetura bostoniana com extrema inteligência. O mais interessante é que o diretor, o escritor e o fotógrafo do filme não são nascidos ou criados em Boston, mas conseguem transmitir uma enorme familiaridade com a cidade.


Ainda sobre a fotografia, fica claro o simbolismo das diferenças o ambiente profissional da sede do Boston Globe (o que transmite a ideia de imparcialidade), do escritório de advocacia de elite (estéril, como que dizendo que "topa-se qualquer causa, pagando-se bem"), do escritório do advogado interpretado por Tucci (sempre atolado de papeis, e eternamente ocupado na luta contra os golias sociais), e dos recintos ligados à Igreja  (sóbrios e imponentes, para colocar os leigos no seu devido lugar).


Um último parágrafo de elogios é reservado para a trilha sonora de Howard Shore (o mesmo das espetaculares trilhas da trilogia Senhor dos Anéis). Aqui, ele opta por uma trilha baseada quase exclusivamente no uso do piano em que, ao mesmo tempo que é impossível não reparar na beleza das melodias e arranjos, não há uma invasão não-diegética desnecessária.

Dois pequenos aspectos poderiam ser questionados no filme: não se vê uma preocupação em mostrar qualquer contraponto positivo por parte da Igreja, que poderia temperar a imagem extremamente negativa gerada. Além disso, em alguns momentos o roteiro flerta com ameaças mais concretas ao trabalho dos jornalistas, que nem sempre têm desdobramentos. Em ambos os casos, o produto final da obra não é prejudicado, evitando, no primeiro caso, um maniqueísmo simplista, e mantendo, no segundo, um grau de tensão e interesse bastante bom.

O filme trata de um tema forte, e joga uma luz nada positiva em uma instituição ainda muito poderosa, o que pode, potencialmente, diminuir as chances de receber as premiações principais da Academia. De toda forma, Spotlight é um filme extremamente bem realizado, e leva merecidas cinco estrelas. 

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