"O JOGO DA IMITAÇÃO" & "A TEORIA DE TUDO"





Gênero: Drama
Direção: Morten Tyldum
Roteiro: Graham Moore, baseado na biografia escrita por Andrew Hodges
Elenco: Allen Leech, Benedict Cumberbatch, Charles Dance, Keira Knightley, Mark Strong, Matthew Beard, Matthew Goode, Rory Kinnear, Steven Waddington, Tuppence Middleton
Produção: Graham Moore
Fotografia: Óscar Faura
Montador: William Goldenberg
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Duração: 113 min.
Ano: 2014
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 05/02/2015 (Brasil)
Distribuidora: Diamond Films
Estúdio: Warner Bros

Sinopse:Cinebiografia de Alan Turing (Benedict Cumberbatch),que usou seus conhecimentos de matemática, lógica e computação durante a Segunda Guerra Mundial. Para além do profissional, se escondia um homem em conflito com sua homossexualidade.





Nota do Razão de Aspecto:

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Como crítico amador que sou, não tenho acesso aos bastidores dos estúdios de cinema para saber exatamente como são escolhidos os roteiros que serão, a cada ano, produzidos. Certamente, para além de critérios técnicos, há um trabalho incessante de agentes, tráfico de influência, estimativas até os centavos sobre possibilidades de lucros, análise de riscos e quiçá até pressões políticas. Nada disso, entretanto, consegue me explicar porque, em determinados anos, a Academia (de Artes e Ciências Cinematográficas) de Hollywood resolve encasquetar com certos temas.

Em 1990, foi o ano do retorno dos filmes de máfia, com o Poderoso Chefão: Parte III acompanhado de "Os Bons Companheiros" nas indicações; em 1995, descobriram que a Escócia existe, e "Coração Valente" acabou eclipsando seu primo melhor, "Rob Roy: a saga de uma paixão" (não me admira, com esse substítulo genérico...); a Inglaterra elizabetana foi esteve sob os holofotes em 1998, com "Shakespeare Apaixonado" e "Elizabeth", quando descobrimos que Cate Blanchett envelheceria para se tornar Judi Dench; mais recentemente, em 2011, a moda foi homenagear as origens e a história do próprio cinema, com "O artista" e "A invenção de Hugo Cabret" (outro injustiçado) dividindo os louros. Isso sem falar nas ocasiões em que os Illuminati dos cinemas provocam "coincidências", como a produção de duas adaptações de Robin Hood no mesmo ano, em 1991. Vem me convencer que foi por acaso...

Este ano resolveram que era hora de homenagear grandes cientistas. As vidas (ou amostras delas) do matemático Alan Turing e do cosmólogo Stephen Hawking inspiraram, respectivamente, "O jogo da imitação" e "A teoria de tudo". Em um tempo de manifestações radicais ligadas a expressões deturpadas de pensamentos religiosos doentes (seria essa uma redundância?), talvez seja especialmente importante lembrar de contribuições fundamentais do esforço científico humano, que definiram a realidade contemporânea. Pena que, cinematograficamente, as obras não se aproximem da genialidade de seus biografados.

Com isso não quero dizer que sejam filmes ruins:  pelo contrário, tanto "O jogo..." quanto "A teoria..." são filmes que agradam bastante, bem produzidos e, mais do que tudo, oferecem atuações espetaculares por parte de seus protagonistas. Mas são filmes comuns, conservadores na execução - como não são as vidas de Turing e Hawkings. Ambos tiveram suas histórias marcadas pela genialidade intelectual/acadêmica matizada pela tragédia no plano pessoal. As adaptações cinematográficas de seus dramas (lato sensu) fizeram escolhas bastante diferentes, mas que resultaram, em ambos os casos, em filmes bons, muito bons, até, mas não espetaculares.

Turing foi peça fundamental do esforço de guerra britânico para decifrar a Enigma - máquina codificadora alemã que, pela dificuldade que impunha aos criptógrafos aliados, oferecia imensa vantagem ao Eixo. O filme alterna entre o período da II Guerra, no Parque Bletchley (local em que se concentrou o esforço da equipe de criptógrafos), o ano de 1951, durante um depoimento fictício de Turing à polícia, e 1927, ano em que o já brilhante adolescente desenvolve uma intensa amizade com um colega de colégio interno, e vive ao mesmo tempo descoberta de seu gosto pelos códigos secretos e de sua homossexualidade, em uma belíssima rima de roteiro.

Morten Tyldum, diretor norueguês, entrega, entretanto, um "O jogo da imitação" que parece (imita?) um filmaço, mas que tem cacoetes que o enfraquecem. O mais grave diz respeito ao excesso de diálogos explicativos. A necessidade de apresentar o contexto histórico dos acontecimentos e introduzir o espectador aos rudimentos da criptografia e aos primórdios da computação pareceu um esforço além da capacidade de codificação do escritor Graham Moore, que assina o roteiro. O resultado é uma grande quantidade de cenas em que alguém está explicando algo a alguém, de forma didática e cinematograficamente pouco criativa.

Um segundo problema - talvez menor para quem não conheça muito sobre a história da ciência - é a aparente necessidade de reforçar a cada cena que Turing é um gênio. Não há dúvidas que sua contribuição para a Era da Informação não possa ser exagerada. Sem ele, áreas de estudo como a ciência da computação ou a inteligência artificial provavelmente nem existiriam. E este texto teria escrito, provavelmente, em uma  máquina de escrever.  O próprio Churchill reconheceu que foi de Turing a contribuição individual de maior impacto para a vitória aliada. Só que, não bastasse toda essa genialidade, o filme exagera. Charles Babbage e Ada Lovelace mandam lembranças. A equipe do Parque Bletchley, onde se concentraram os trabalhos para decifrar as mensagens alemãs, tem sua importância relativizada, e passa a ser mais um instrumento de suporte (ou desafio) psicológico a um problemático Turing. Isso sem falar no recorrente desprezo – deste e de outros filmes que retratam o período – pela contribuição do Biuro Szifrów – agência de criptografia polonesa sem a qual não poderia ter sido quebrado o código da Enigma.

O que nos traz à discussão sobre em que medida uma biografia cinematográfica deve ser fiel aos fatos históricos que a inspiraram. Parece claro que algum nível de liberdade deve ser tomado para que os arcos narrativos e o ritmo do filme sejam bons. Personagens da vida do biografado às vezes são suprimidos, coadjuvantes criados como "ganchos" para a narrativa e fatos simplificados ou complexificados para criar agilidade ou suspense. Mas a criação de subtramas inexistentes na vida do biografado, ou a inclusão de cenas que forcem a suspensão da descrença podem prejudicar a obra. É o caso n´"O jogo da imitação", em que a suspeita de envolvimento de Turing com a União Soviética não existiu e sua relação com a hierarquia militar não era conturbada. Para piorar, há uma cena em que a equipe de criptógrafos toma uma decisão estratégica de guerra que é tão forçada quanto um imperador romano descer à arena para enfrentar um gladiador.

Mesmo diante dessas fraquezas, "O jogo da imitação" é uma obra com muitos méritos: embora divida sua narrativa em três momentos históricos distintos, o filme tem em seu ritmo uma grande virtude. A trilha sonora de Alexander Desplat (que assina também a trilha de outro indicado do ano, "O Grande Hotel Budapeste") é competente, e as atuações são todas, sem exceção, excelentes. O elenco transborda de bons nomes: Charles Dance (nosso querido Tywin Lannister, de "Game of Thrones"), Mark Strong ("O espião que sabia demais"), Allen Leech (o Tom Branson de "Downton Abbey") e Matthew Goode (provando ser ótimo em papeis desse período histórico – como fizera em "Brideshead" - e não tão adequado como Ozymandias em "Watchmen"), além dos indicados à estatueta Keira Knighley e Benedict Cumberbatch.

E aí reside a grande força de "O jogo da imitação": mesmo sem qualquer semelhança física com Turing, Cumberbatch, mais uma vez, prova ser um dos grandes nomes da sua geração (pun intended).  Assim como na série "Sherlock", ele interpreta um indivíduo com dificuldades de relacionamento social, dotado de um raciocínio mais rápido e mais lógico do que a média das pessoas. Mas sua atuação não se acomoda em repetir o detetive: à intensidade da inteligência de Turing, que muitas vezes ecoará em arrogância, se juntarão à pressão advinda das frustrações nas tentativas de decifrar a Enigma e a necessidade de esconder a própria sexualidade – retratada de forma nada caricatural, resultando na eterna sensação de solidão, em um mundo que não o compreende intelectualmente nem sexualmente.

Nesse sentido, o trabalho de Cumberbatch é mais interessante do que o de Eddie Redmayne (de "Os miseráveis", e velho conhecido de quem acompanha séries inglesas como "Os pilares da Terra" e "Os Tudors"), que interpreta Hawking em "A teoria de tudo". É claro que este último chama mais a atenção, pela absurda competência de Redmayne em emular a decadência física do cosmólogo ao longo dos anos; a missão de Cumberbatch era, entretanto, mais difícil e sutil, pelas demandas do roteiro.

"A teoria de tudo", por sua vez, é um filme mais linear, mais comportado e, talvez por isso, com um resultado mais balanceado do que "O jogo da imitação". Focado no relacionamento de Hawking e sua primeira esposa, Jane, o filme não se ocupa tanto das contribuições do biografado para a ciência - para isso, recomendo o filme homônimo feito para TV britânica em 2004, e curiosamente estrelado por Cumberbatch. 

Talvez pelo fato de retratar a história de alguém ainda vivo e célebre, a obra parece construída como uma homenagem ao cosmólogo inglês, mostrando episódios de sua biografia sem se arriscar a polemizar qualquer faceta, e terminando com um discurso de superação digno dos piores livros de auto-ajuda. Por sorte, o tom piegas do final não perpassa o resto do filme.

Os acontecimentos eleitos pelo roteiro na vida de Hawking servem mais de terreno fértil para o excelente trabalho do casal principal. Jane é interpretada por Mel Lisboa Felicity Jones, que consegue ser o motor emocional do filme. As nuances entre o envolvimento inicial do casal, o choque e o apoio quando da descoberta da doença, e o progressivo cansaço e amadurecimento da personagem são um atração à parte – e, diria eu, até inesperada – do filme. A direção de James Marsh traz cenas visualmente mais belas e poéticas do que em "O jogo da imitação". O problema d´"A teoria de tudo" é seu excessivo respeito pelo que retrata. O resultado é um filme... bonitinho, apenas.

Turing e Hawking tiveram vidas bem distintas: o primeiro suicidou-se após um tratamento hormonal prescrita pela justiça britânica para "combater" sua tendência homossexual; sua contribuição para a vitória na II Guerra e na história da matemática e da computação veio anos após sua morte. Hawking é reconhecido em vida, e tornou-se tamanha celebridade que tem sido acusado por colegas de profissão de afastar-se da postura científica e usar sua posição de destaque na mídia para fazer afirmativas grandiosas sem a matemática para embasá-las.  Turing é pai dos estudos da inteligência artificial, enquanto Hawking afirmou recentemente que ela pode levar à destruição da humanidade. Os desdobramentos do trabalho de Turing impactam mais concretamente nosso cotidiano, a cada processador de dados que funciona no mundo; Hawking busca  respostas a perguntas mais abstratas, como a origem do universo e o funcionamento do tempo.

Com tantas diferenças entre si, os cientistas ganharam, igualmente, filmes apenas bons.

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Gênero: Drama
Direção: James Marsh
Roteiro: Anthony McCarten
Elenco: Eddie Redmayne, Felicity Jones, Adam Godley, Charlie Cox, Charlotte Hope, David Thewlis, Emily Watson, Enzo Cilenti, Harry Lloyd, John Neville, Maxine Peake, Richard Cunningham, Tom Prior
Produção: Anthony McCarten, Eric Fellner, Tim Bevan
Fotografia: Benoît Delhomme
Montador: Jinx Godfrey
Trilha Sonora: Jóhann Jóhannsson
Duração: 119 min.
Ano: 2014
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 29/01/2015 (Brasil)
Distribuidora: Universal Pictures
Estúdio: Working Title Films

Sinopse: Baseado na história da vida de Stephen Hawking, um dos maiores astrofísicos da atualidade. Focado em sua vida pessoal, o filme mostra o romance com a a aluna de Cambridge Jane Wide (Felicity Jones), suas descobertas científicas e o desafio enfrentar uma doença motora degenerativa aos 21 anos.




Nota do Razão de Aspecto:


Um comentário:

  1. Na minha opinião o jogo Imitação é um dos melhores filmes de drama e começar a acreditar que Cumberbatch único remanescente personagens anti-sociais, inteligentes e desagradáveis, ou pelo menos tem sido em O Hobbit, Sherlock e Star Trek.

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